domingo, 12 de dezembro de 2010

Considerações sobre a legitimidade do particular em sede de Contencioso Administrativo

Actualmente, ao abordarmos o Contencioso Administrativo, constatamos estar perante um processo de partes, o que configura e consubstancia uma realidade diversa daquela que se verificava em tempos passados.

Recorde-se que o Contencioso Administrativo era por natureza de tipo objectivo, orientado sobretudo para a verificação da legalidade de uma actuação administrativa, não valorando, nem reconhecendo, direitos subjectivos às partes.

O acto administrativo concentrava sobre si toda a atenção, não se reconhecendo nem ao particular nem ao Tribunal o estatuto de partes, mas sim exigindo deles uma colaboração capaz de assegurar a defesa da legalidade e do interesse público.

Perante este quadro, torna-se claro, que não havia espaço para a possibilidade de uma actuação que pudesse revelar a existência de direitos ou interesses próprios.

Ao particular competia um papel secundário e absolutamente subordinado face à Administração, não podendo afirmar quaisquer direitos subjectivos perante esta e tendo de se comformar com o papel de administrado complacente, sem margem de manobra.

Na verdade, o administrado era o destinatário perfeito sobre o qual a Administração Pública podia exercer, de forma descricionária, todo o seu poder.

Administração exibia, aliás, esse poder e recusava qualquer possibilidade ao particular de poder ser titular de qualquer direito subjectivo, tal como acima se tinha acentuado, no quadro de relacionamento entre este e as autoridades administrativas.

Ao particular estava assim cometido um papel de defesa, quase se diria forçada, da legalidade, não podendo defender os seus direitos, mesmo que estes tivessem sido violados por uma actuação administrativa ilegal.

Este estado de coisas sofreria, felizmente, uma profunda mutação, em virtude quer da Constituição de 1976, quer da reforma operada em 1984/1985, que transforma o contencioso administrativo num processo de partes.

Neste novo contexto, Administração e o particular, cada um no seu papel e defendendo os seus interesses, num quadro de contencioso plenamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, passam a poder sustentar, perante um Juiz, as respectivas posições.

Uma parte, porque entende ter sido lesada, a outra na defesa da legalidade e do interesse público.

Temos assim uma situação em que tanto a Administração, como o particular, se passam a situar ao mesmo nível num quadro de paridade, beneficiando da mesma situação processual.

Prova desta situação de igualdade pode-se retirar do CPTA, designadamente do seu artº 6º, que estatui uma igualdade efectiva, em sede de participação processual.

Noutra sede a própria CRP consagra a protecção dos direitos dos particulares nos seus artºs 204 e 268, nº 4.

Outras manifestações de igualdade se podem retirar da possibilidade de aplicação de sanções à Administração, ou aos particulares, com fundamento em actuações que consubstanciem litigância de má-fé. ( artº 6 e artº 8 CPTA que consagra o principio de cooperação e boa-fé processuais)

A ideia de que o processo administrativo é um processo de partes, pode ser retirada do conteúdo do artº 9º do CPTA, designadamente, das regras comuns sobre legitimidade.

Note-se que a legitimidade, de acordo com o regime do artº 9º do CPTA, tem origem na alegação da posição de parte, na relação material controvertida. Assim o critério que permite atribuir a posição de parte, radica na posição dos sujeitos e na circunstância de se alegarem direitos e deveres na esfera da relação júridica substantiva. ( Artº 9º, nº 1 CPTA)

O autor será assim parte legitima sempre que alegue direitos subjectivos ou posições substantivas de vantagem, na relação júridica administrativa.

Vamos fazer de seguida uma referência à legitimidade dos particulares, no quadro da Acção Administrativa Especial, não deixando de sublinhar que o artº 9º se refere ao regime geral da legitimidade.

No artº 9º estamos perante uma regulação que abrange de forma ampla um conjunto diversificado de situações, através de um conjunto de regras especificas.

Analisemos por exemplo o artº 55 que reporta à legitimidade para impugnação de actos administrativos, elencando um conjunto de pessoas e entidades com legitimidade para proceder a tal impugnação, pedindo a sua anulação ou a declaração da sua nulidade.

Note-se que de acordo com o artº 55, nº 1, al) a CPTA terá legitimidade para impugnar quem alegar ter um interesse directo e pessoal, ou seja, tenha sofrido um prejuizo que tenha afectado os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

A formulação constante do artº 55, nº 1, al) a, em contraposição com a ideia de lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, surge como uma forma de concretização mais ampla da impugnação de actos administrativos, oferecida ao particular que assim poderá avançar para essa solução, sem ter de sustentar a ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido.

Ao particular neste contexto, bastará invocar estar a sofrer consequências negativas na sua esfera júridica e indicar a vantagem directa e imediata que para si decorreria da procedência da anulação ou declaração de nulidade do acto.

Importa sublinhar um aspecto importante, que tem a ver com a necessidade de provar que o acto da Administração está ferido de ilegalidade, não bastando sustentar o carácter lesivo para os interesses do particular.

Há vários actos lesivos e desfavoráveis desses interesses, que não obstante, se apresentam como perfeitamente legais.

João Paulo Padrão

Aluno 17 371

Sub-Turma 3 Noite

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