quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

As Providências Cautelares Esvaziadas pelo “Interesse Público” ou o “Interesse Público” como salvaguarda do Poder Executivo e do Principio da Separação de Poderes?


Como sabemos, no actual CPTA o particular e a administração são partes que no tribunal defendem os seus interesses: do lado do particular, a lesão de um direito; do lado da administração, a defesa da legalidade e do interesse público.

Assim sendo, decorrente do Princípio da Tutela Jurisdicional efectiva em matéria administrativa art.º 268.º/4 ss. CRP e Art.º  2º n.º 2 CPTA; a tutela concretiza-se pela disponibilidade de acções ou meios principais adequados e também no plano cautelar e executivo.

Objectivo
O tema apresentado tem duas finalidades: comentar muito brevemente o regime das providências, já convenientemente aprofundado pelos doutos colegas noutras prelecções e realizar comentário sobre a questão do “Interesse Público”.

Regime das Providências Cautelares

De acordo com os arts.º  112º e ss.  as Providências Cautelares são decisões jurisdicionais de carácter provisório e instrumental, já que estão destinadas a assegurar a utilidade da sentença sobre a acção principal.

Com carácter provisório devido ao próprio instituto, o TR ainda com base nos critérios do art.º 120 pode revogar, alterar ou substituir a providência anterior, caso se verifique uma alteração relevante de circunstâncias inicialmente existentes. 
Em termos de legitimidade/instrumentalidade o processo cautelar é aceite caso seja preliminar em relação ao processo principal ou seja apresentado como incidente do mesmo; no primeiro caso se não se demonstre posteriormente a colocação da acção principal da qual depende a providência perde validade.

Segundo o art.112º nº2 podem consistir na suspensão da eficácia de actos administrativos ou de normas regulamentares, na admissão provisória em concursos ou exames, na atribuição provisória da disponibilidade de um bem, ou da autorização para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta, na regulamentação provisória de uma situação jurídica e ainda na intimação da Administração ou de particulares, à adopção ou abstenção de condutas. Este elenco é exemplificativo, como é indicado na abertura do nº2; temos ainda as do CPC embora seja remissão algo vazia, salvo eventual previsão de providências cautelares especificas em legislação especial.

Temos então os seguintes tipos de providências cautelares:

Antecipatórias: o interessado procura a adopção de medidas por parte da Administração que podem ou não envolver actos jurídicos.
Conservatórias, o interessado pretende defender um direito em perigo, procurando vir a ser prejudicado por decisões que a Administração venha a adoptar;

Pressupostos Concessão

Art.120º, os critérios do periculum in mora e do fumus bonis iuris. O primeiro é óbvio em qualquer providência cautelar, pois a mesma só é necessária se houver o risco da inutilidade da sentença se a providência não for aceite. O periculum in mora, revela-se no risco da infrutuosidade ou do retardamento da tutela que poderá resultar da mora na sentença. No  fumus bonis iuris, consiste na possibilidade de o requerente vir a ter êxito na causa principal. O Juiz verifica neste caso a probabilidade de procedência da acção principal sendo este factor relevante para a decisão de adopção da providência.

A atribuição de uma providência cautelar depende assim da avaliação pelo juiz acerca da existência do risco de uma situação de facto irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente e, ainda, do grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal, tal como ele resulta de uma operação de prognose ao mérito.


Importa também referir que o peso deste “pré-julgar” varia necessariamente consoante estejamos perante situações de aparência do direito, manifesta falta de fundamento e situações intermédias vs. tipo de providência (antecipatória ou conservatória).

Para além destes dois pressupostos o tribunal tem de atender ao Princípio da Proporcionalidade, procedendo à ponderação em conjunto dos vários interesse, públicos e privados, em presença para avaliar se os danos que resultariam da concessão da providência não seriam superiores dos que resultariam da recusa(120º nº2), com a importante especialidade de a lei dispensar este requisito nos casos do art.º 120 nº1 a), o que se compreende pois apenas se aplica a casos manifestos.

As providências cautelares são recusadas quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

Segundo Vieira de Andrade, mesmo nos casos em que estejam verificados os requisitos do “periculum in mora” e do “fumus boni juris” deverá ser recusada a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo para a entidade requerida (e logo para o interesse público) se perfile superior ao prejuízo que se visa evitar com a providência requerida.
No entanto o CPTA veio introduzir Princípio da Proporcionalidade não sendo assim viável, interpretar a lei no sentido de um reconhecimento implícito ou uma prevalência sistemática do interesse público sobre o particular. Para além disso Vieira de Andrade entende que “o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos…”.

O  art.º 120 nº1 a) e art 120.º nº5 não são mais que duas faces iguais, com dois destinatários antagónicos; sendo todavia, na minha modesta opinião o art.º 120º nº5 uma disposição legal limitadora da arguição de “Interesse Público” apenas a casos manifestos ou ostensivos.

A questão do Interesse Público

O interesse público deve ser entendido como o conjunto de princípios basilares de uma dada ordem jurídica, fundados em valores de moralidade, de justiça ou de segurança social, que regulam interesses gerais considerados fundamentais da colectividade e que informam um conjunto de disposições legais.

No meu modesto entendimento, este conceito apenas pode ser arguido pelo Governo conduzindo-se ao art.º 199 CRP (que já tem uma cláusula aberta na sua alínea g).

O cerne da questão aqui será, primeiro que tudo, referir que a Administração tem usado a arguição de “Interesse Público” diversas vezes; sendo que os Tribunais Administrativos têm adoptado uma prática de não sindicância ao preenchimento deste conceito por parte do requerido Estado, contrariando a letra do art.º 120 nº5 .


Conclusão

«A Administração Pública, na prestação de serviços sociais e culturais, na satisfação de necessidades colectivas, tem necessidade de agredir a esfera jurídica dos particulares, ofendendo ou sacrificando os seus direitos e interesses, mas, no desenvolvimento dessas actividades, tem de agir com sujeição à Constituição e à lei, respeitando os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares.
Os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, absorver ou suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum ou da sociedade, cabendo a esta, nos casos em que aqueles sacrifícios possam ser e tenham de ser impostos, compensá-los dos prejuízos causados [...]»
Acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2010.

Sendo portanto da minha modesta opinião que a arguição do interesse publico como forma de protestar uma providência cautelar, retirando essa averiguação da esfera do tribunal, gera no mínimo na esfera do particular um direito a ser indemnizado por esse facto per si, caso prove dano.

O Douto Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra referiu já em 2007 que “a jurisdição administrativa está todavia inundada com pedidos cautelares, estimando-se que, em muitos tribunais de círculo, 30% das acções administrativas especiais sejam hoje antecedidas de um processo cautelar.”

Temos vindo a assistir a bastantes casos altamente mediáticos: scuts, hospitais, escolas, ferrovias, etar’s, cortes salariais na função pública; com deputados da AR, sindicalistas e lesados a usar as providências cautelares para combater decisões políticas fundamentais tomadas pelo poder executivo.

O problema para o Contencioso Administrativo neste momento, não é decerto a falta de poder que antes não tinha, nem para já o excesso de poder que alguns vêm; antes a necessidade de maturidade no uso do sistema por parte de todos os seus intervenientes.

Por parte do Governo ao evocar “Interesse Público” a toda e qualquer providência cautelar em temas “quentes”; de alguns requerentes por usarem o Contencioso Administrativo para travarem as suas batalhas políticas, após as terem perdido na devida sede; dos Juízes por não realizarem em maior número um controlo sobre o que é “Interesse Publico”, dos Advogados devido a uma exagerada litigância.   

Donde por tudo o explanado, se conclui que a arguição da figura do interesse público,  tem que necessariamente ter por limitação um interesse público maior – o da Justica Administrativa per si.

Caso se mantenha este status quo é o Contencioso Administrativo que perde.


Bibliografia
- Intervenção do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra na sessão de Abertura do Colóquio “Medidas Cautelares no Novo Contencioso Administrativo” UCP Março de 2007
- Vieira de Andrade, Lições p. 343 a 379 Almedina
- Ac. STA 0269/02 de 06/04/2006
- Ac. TCA Sul 4863/00 de 28/09/2000
- Ac. STA 06573/10 de 21/07/2010
- O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, Almedina

Artigo realizado por António Sérgio Rocha Ferreira Nº9703 Subturma 3 Faculdade Direito Universidade de Lisboa. Veja o meu perfil Linkedin em http://pt.linkedin.com/in/antoniorochaferreira

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Processos Urgentes - Trabalho realizado por Ana Moura


PROCESSOS URGENTES

Os processos urgentes estão previstos nos termos dos artigos 97.º e seguintes do CPTA, e encontram-se agrupados nas categorias de impugnações urgentes e de intimações.
Desta forma, realço desde já, a consagração legal “processos urgentes principais” – que se distinguem, quer dos processos não urgentes, quer dos processos urgentes não principais (os processos cautelares).
Os processos urgentes principais, por se caracterizarem pela sua celeridade ou prioridade devem ou têm de obter sobre determinadas questões quanto ao respectivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.
Por isso, a lei configura, logo em abstracto, como processos urgentes determinados processos principais, isto é, processos que visam a pronúncia de sentenças de mérito, onde a cognição seja tendencialmente plena, mas com uma tramitação acelerada ou simplificada, tendo em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos ou outras circunstâncias próprias das situações ou até das pessoas envolvidas.
Visto isto, é possível verificar no CPTA quatro espécies de processos principais urgentes: as impugnações relativas a eleições administrativas e à formação de determinados contratos, bem como as intimações para prestação de informações e, em determinadas condições, as intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Impugnações urgentes

A verificação da legalidade de pronúncias da Administração são o principal alvo de enfoque, no entanto, isto não significa necessariamente que as sentenças dos processos se refiram apenas à invalidade dos actos impugnados, isto é, que sejam, por definição declarativas ou constitutivas, pois que, seguramente no caso dos processos eleitorais, mas também nos processo pré-contratuais, pode pedir-se e obter-se a condenação directa da Administração.
Assim, no âmbito do contencioso eleitoral, previsto no artigo 97.º do CPTA, destaco o facto de a lei processual autonomizar este meio impugnatório como meio principal para a resolução acelerada e simplificadas das questões suscitadas por actos eleitorais, em função da sua natureza urgente.
Quanto ao objecto das eleições a que se referem estas impugnações são aquelas através das quais se designam os titulares de órgãos administrativos electivos de pessoas colectivas públicas, sobretudo no âmbito das administrações autónomas, mas incluindo também as eleições para órgãos não burocráticos da administração directa ou indirecta.
Os litígios a resolver por este meio não são apenas os relativos ao acto eleitoral propriamente dito, englobam ainda as questões do respectivo procedimento.
A lei, todavia, parece limitar a sindicalidade dos actos pré-eleitorais, admitindo apenas a impugnação autónoma daqueles que impliquem exclusão ou omissão de eleitores nos cadernos eleitorais ou de elegíveis nas listas eleitorais (artigo 98.º n.º 3)
Deste modo, deverá considerar-se incluída na excepção legal, a impugnação autónoma da recusa de admissão de listas se sufrágio; deverá ainda considerar-se impugnável, numa interpretação correctiva, a inscrição indevida de “eleitores” e a admissão indevida de candidatos ou de candidaturas, de forma a conseguir tempestivamente uma estabilização do universo eleitoral; a impugnação unitária deve interpretar-se como referida a cada acto eleitoral, mesmo quando se trate de actos eleitorais intercalares ou não definitivos, como acontece nas eleições indirectas ou nas eleições por voltas – sempre sem prejuízo da impugnação da eleição final relativamente a vícios procedimentais graves, que só sejam conhecidos posteriormente.
Por sua vez, relativamente à legitimidade, a iniciativa do processo cabe em exclusivo aos eleitores e elegíveis, incluindo, nos casos de omissão nos cadernos ou nas listas, as pessoas cuja inscrição foi omitida (artigo 98.º n.º 1).
No que diz respeito ao prazo, na falta de disposição especial, será de sete dias, a contar da possibilidade do conhecimento ou omissão (artigo 98.º n.º 2).
No que toca à urgência é de referir que este processo segue a tramitação da acção administrativa especial, com especificidades, designadamente as decorrentes do seu carácter urgente (artigo 99.º)
Sendo que, a plena jurisdição mencionada no artigo 97.º n.º 2, pretende significar que o processo não se dirige meramente à anulação ou declaração de nulidade dos actos impugnados e engloba a possibilidade de condenação imediata das autoridades administrativas, seja para assegurar a inscrição nos cadernos ou a aceitação das listas de candidatos, seja para obrigar à reforma do procedimento eleitoral.
No que concerne ao contencioso pré-contratual, destaco que entre as impugnações urgentes se inclui a impugnação de actos administrativos relativos à formação de quatro tipos e contratos: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens (artigo 100.º)
Este contencioso pré-contratual dá continuidade ao regime especial instituído pelo Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, para determinados contratos, em aplicação da chamada “Directiva-Recursos” (Directiva n.º 89/665/CEE), alargando agora aos contratos de concessão de obras públicas.
A previsão de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, públicos e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma protecção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas; por outro lado, e sobretudo, garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos e a respectiva estabilidade depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.
Assim, podem ultrapassar-se as tradicionais dificuldades na determinação do alcance dos conceitos de “acto administrativo impugnável” ou de “norma” nos meios impugnatórios normais, tal como pode obter-se a resolução rápida das questões de legalidade procedimental dos contratos, de preferência antes da respectiva celebração, para evitar impugnações posteriores com esse fundamento, sempre indesejáveis, seja quando procedam, seja quando se tornem praticamente ineficazes.
Em matéria de objecto, este meio deve ser utilizado, desde logo, quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos. Possibilitando desta forma, a impugnação de todos os actos administrativos relativos à formação dos referidos contratos, bem como os actos equiparados e entidades privadas; a impugnação directa de “documentos contratuais” normativos, designadamente, com fundamento na “ilegalidade” das especificações técnicas, económicas ou financeiras.
É ainda de referir que apesar da dúvida, poder-se-á obter neste processo, a condenação à prática dos actos pré-contratuais devidos, pois nada obsta em termos substanciais a que seja pedida e concedida a condenação, que, pelo contrário, se insere bem no espírito do direito reformado, de grande abertura processual, em favor da tutela judicial efectiva, em geral, e da cumulação de pedidos, em especial, tal como na “justiça do sistema”, que prefere a condenação nos casos de impugnação de actos negativos – e a cumulação num contexto de urgência pode justificar-se plenamente, seja nos casos em que haja omissão, indeferimento ou recusa ilegal de contratar, em que o interesse do particular é justamente o de uma condenação, seja no caso de impugnação de actos positivos e exclusão de propostas ou de concorrentes, pois que também aí pode haver interesse na condenação.
Em relação ao prazo para a apresentação do pedido é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, do conhecimento do acto (art. 101.º)
A propositura da acção não tem efeito suspensivo sobre o procedimento, podendo o interessado interpor, se for caso disso, a providência cautelar especial prevista no artigo 132.º.
Se houver lugar a impugnações administrativas, como estas serão, em regra, facultativas, o prazo suspende-se e só volta a contar-se a partir da decisão administrativa sobre essa impugnação ou do termo do prazo legal respectivo, sem prejuízo de o interessado poder entretanto propor acção principal ou solicitar providências cautelares, nos termos do artigo 59.º (n.ºs 4 e 5) – se a impugnação for necessária, suspende a eficácia do acto e, portanto, o prazo só começa a contar depois de proferida a decisão respectiva.
Quanto aos restantes pressupostos, aplicam-se, por força do artigo 100.º n.º 1, as regras relativas à impugnação de actos, com as adaptações que se revelarem necessárias.
Em conclusão, a tramitação deste processo é única e segue a forma da acção administrativa especial, com algumas alterações, entre as quais se destaca a possibilidade da concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata (artigos 102.º e 103.º) – audiência que, contudo, parece não ter entretanto assumido qualquer relevo prático.
A cognição do tribunal é plena e, em caso de procedência, a sentença será, em regra, anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou documento contratual.
De referir ainda que a lei estende expressamente a este processo urgente, embora com algumas diferenças de relevo, a possibilidade, admitida em geral no art. 45.º, de, em caso de impossibilidade absoluta dos interesses do autor, o juiz não proferir a sentença requeria e convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida.

Intimações urgentes

Trata-se de processos urgentes de condenação, que visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos e também, designadamente no caso de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias para a prática de actos administrativos.
Em caso de resolução urgente deverá seguir a forma de acção administrativa comum, enquanto, no caso de condenação à prática de acto administrativo deverá seguir a forma de acção administrativa especial.
            Por conseguinte, encontram-se reguladas no CPTA, duas formas de intimações: a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A primeira é actualmente, configurada como uma acção principal e um processo urgente, tornando-se o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 104.º), incluindo o acesso aos ficheiros públicos de dados pessoais.
No que diz respeito à legitimidade, a intimação pode ser pedida pelos titulares dos direitos de informação ou, na hipótese de utilização para efeitos de impugnação judicial, por todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios, incluindo os autores populares, bem como o Ministério Público, para o exercício da acção pública (artigo 104.º n.º 2).
Quanto à legitimidade passiva parece caber, nos termos gerais, à pessoa colectiva ou ao ministério a que pertence o órgão em falta (art.º 10.º n.º 2). No entanto, segundo a referência do artigo 107.º relativamente à autoridade (e não à entidade) requerida – supõe-se que não exista aqui um regime especial de legitimidade, pelo que o requerente deverá, sempre que possível, identificar o órgão responsável, para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe a intimação, sem dependência da organização interna da pessoa colectiva ou do ministério.
A utilização deste meio pressupõe o incumprimento pela Administração do dever de informar ou de notificar, valendo, por isso, a exigência do pedido anterior do interessado (règle du préalable) como pressuposto processual.
O prazo é de vinte dias, a partir da verificação da não satisfação do pedido, a partir da omissão, do indeferimento expresso ou do deferimento parcial (art. 105.º)
A tramitação é simples, com resposta da autoridade no prazo de dez dias e, em regra, decisão imediata do juiz, dado que na maior parte dos casos não serão necessárias outras diligências (artigo 107.º).
Por último, gostaria ainda de referir que esta acção alcançou pela redacção da nova lei a dupla natureza que a jurisprudência do STA já antes lhe reconhecia e, portanto, ainda que transformado num processo estruturalmente autónomo e ainda que ampliada a sua função – para exercício do direito fundamental à informação procedimental -, continua a ter também e parcialmente o perfil cautelar, uma vez que o pedido (de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão) pode servir para obter informações necessárias à instrução de um processo principal. Neste caso, a intimação produz, nos termos do art. 106.º, “efeito interruptivo” quanto aos prazos em curso para accionar este (outro), processo principal, em via judicial ou administrativa.
            A criação da segunda forma de intimação, anteriormente enunciada, é favorecida pelo artigo 20.º n.º5 da Constituição, reconhecendo assim a importância de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pelo que, a utilização desta acção deve limitar-se às situações em que esteja em causa directa e imediatamente o exercício dos mesmos.
Pode utilizar-se este meio quando a emissão célere de uma decisão de mérito do processo que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia (artigo 109.º)
Exige-se, desde logo, a urgência da decisão para evitar a inutilização do direito, sem a qual deverá haver lugar a uma acção administrativa normal, seja comum ou especial, sublinhe-se, todavia, o carácter relativo ou gradativo da urgência.
Pressupõe-se que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração.
Por fim, a lei exige ainda que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
A legitimidade para esta intimação pertence naturalmente aos titulares dos direitos, liberdades e garantias.
O conteúdo do pedido será a condenação na adopção de uma conduta positiva ou negativa na parte da Administração, que pode consistir mesmo na prática de um acto administrativo (art. 109.º n.ºs 1 e 3)
O pedido de intimação pode ainda ser dirigido contra concessionários ou quaisquer particulares, mesmo que não disponham de poderes públicos – embora, obviamente, se deva estar perante uma relação jurídica administrativa.
Nestes processos não há lugar ao pagamento de custas.
Quanto à tramitação é extremamente simples e rápida, designadamente nas situações de especial urgência.
Na realidade, a lei prevê vários andamentos possíveis para o processo (artigo 110.º n.º 1, 2 e 3; 111.º), sendo que o juiz pode optar por uma tramitação acelerada ou simplificada realizando uma audiência oral.
Quando a pretensão se dirija à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, a lei admite, excepcionalmente, a possibilidade de sentenças substitutivas da pronúncia da Administração, designadamente quando se trate da execução de acto administrativo já praticado (artigo 109.º n.º 3). Nestas situações, já não estamos perante simples intimações, mas perante intervenções judiciais.
A sentença, quando não seja substitutiva, determina o comportamento concreto, o prazo e, se for caso disso, o próprio órgão administrativo responsável pelo cumprimento, designadamente quando implique a prática de um acto administrativo.
É ainda de salientar que se aplicam a estas intimações as regras gerais de execução de sentenças condenatórias, incluindo as relativas à responsabilidade civil, disciplinar e criminal.
A invocação da grave lesão para o interesse público como causa legítima de inexecução da sentença condenatória, não parece admissível, nestes, pois pressupões uma prevalência do direito fundamental na ponderação concreta e imediata dos valores em presença.
A lei prevê a possibilidade de fixação pelo juiz de sanções pecuniárias compulsórias, imediatamente na sentença condenatória ou em despacho posterior.
Relativamente, às decisões de improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias são sempre recorríveis, seja qual for o valor da causa (artigo 142.º n.º 3 a).
Por sua vez, o recurso das sentenças que tenham proferido a intimação, quando seja admissível, tem sempre, por determinação da lei, efeito meramente devolutivo, independentemente da ponderação dos danos que esse efeito possa causar – o objectivo é o de assegurar uma protecção efectiva reforçada dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos já reconhecidos na primeira instância, mesmo que estejam em causa interesses públicos relevantes.

CONCLUSÃO

            Na sequência da reforma que abrangeu os processos urgentes no contencioso administrativo, o legislador criou um sistema de protecção das situações de urgência exemplar, sendo este baseado num modelo multicelular que pela sua implementação tornou dianteiro o actual modelo de urgência português.
            De entre o conjunto das inovações, em matéria de protecção de urgência, que denunciam o encurtamento da distância entre dois sistemas processuais destacam-se o perfil do novo juiz da urgência e os novos processos agilizados.
            Em primeiro lugar, é de realçar no modelo português, a figura do super-juiz da urgência. Um juiz que controla os tempos processuais e que, em vez de se isolar no seu gabinete, envolvido em processos que não têm fim, convida as para oralmente, em audiências, lhe exporem a matéria de facto e de direito.
            Em segundo lugar, é de louvar a inovadora aproximação estrutural entre os processos urgentes administrativos e civis.




Tribunal Administrativo
do Círculo de Lisboa




Acórdão do Tribunal Administrativo n.º 45/2010

Processo nº XXXXXX/10 – Pleno da 1ª Secção

Acordam, em conferência, no Pleno da 1.ª Secção do Tribunal Administrativo:


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Dirige-se a este tribunal a sociedade comercial Somos da Inteira Confiança, Lda., para requerer a anulação de contrato celebrado entre o Ministério da Administração Interna e a sociedade comercial A Tempo e Horas, Lda., referente à adjudicação de dois veículos blindados, invocando para tal a invalidade do acto pré-contratual, feito por ajuste directo, por se sentir lesada pelo mesmo.




Dos factos Provados:


·          O Ministério da Administração Interna (MAI) adjudicou à sociedade A Tempo e Horas, o fabrico de dois veículos blindados, por ajuste directo, pelo valor de 400.000,00 euros.

·          O MAI não fez qualquer contacto formal com outra empresa em vista a alargar o número de interessados para adjudicação do fabrico dos ditos blindados;

·          No mencionado contrato acordou-se a entrega dos veículos blindados até ao dia 15 do mês de Novembro de 2010, com o propósito de serem usados durante a Cimeira da NATO, que ocorreu entre os dias de 19 a 20 de Novembro;

·          Os veículos só foram entregues no dia 22 de Novembro;

·          O MAI classificou o negócio como secreto, invocando para tal razões de segurança, fundamentadas em comunicados da Polícia Judiciária e da Interpol que confirmaram a existência de suspeita de ameaças de um grupo terrorista, denominado por KGP, à sabotagem da compra dos blindados;

·          A sociedade Somos da Inteira Confiança, Lda. tem por objecto social a comercialização, importação e exportação de equipamentos motorizados para segurança e defesa militares, bem como, presta assistência técnica e reparação de equipamentos motorizados para segurança e defesa militares (artigo 3º do contrato de sociedade por quotas da referida sociedade);

·          Ficou provado que o negócio em litígio chegou ao conhecimento do público em momento anterior ao da realização da Cimeira da NATO.



Das questões de mérito:


– Cumpre, primeiramente, apreciar da validade da decisão do Réu de conceder por ajuste directo, o fabrico dos dois veículos blindados.

– De facto, o artigo 24º, nº 1, alínea f), do Código dos Contratos Públicos (CCP), possibilita à entidade adjudicante adoptar o instituto do ajuste directo, em detrimento de procedimento concursal, para a formação de qualquer contrato, desde que, “nos termos da lei, o contrato seja declarado secreto ou a respectiva execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança, bem como quando a defesa de interesses essenciais do Estado o exigir”.

– Esta norma remete-nos para a Lei do Segredo de Estado (Lei nº 6/94, de 07 de Abril). Nos termos deste diploma legal, “são abrangidos pelo segredo de Estado os documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou de causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa.” (artigo 2º, nº 1 da Lei do Segredo de Estado).

– Importa, portanto, verificar se, com base nos fundamentos que o Réu invocou para declarar o contrato secreto, que nesta sede se impugna, estão preenchidos os requisitos acima elencados.

– Veja-se então, se as suspeitas levantadas pelas autoridades policiais supra mencionadas, que foram razão determinante para o Réu classificar o negócio da compra dos blindados como secreto, poderiam, constituir razão bastante para que o procedimento prévio contratual adoptado fosse o do ajuste directo, nomeadamente, importa apurar se o procedimento pré-contratual escolhido tivesse sido o concurso público, a probabilidade de essas suspeitas se materializarem seria maior.

  – Manifestamente, pelo que já se deu como provado, os contornos fundamentais do negócio que ora se discute, nomeadamente a identificação do adjudicatário, ATH, Lda., eram do conhecimento público, daqui resultando que a intenção de envolver o negócio em total secretismo fracassou, e disto não resultou, como é sabido, qualquer tentativa de danificar ou destruir os afamados blindados.

– Do mesmo modo, é do entendimento deste tribunal, que as suspeitas levantadas, não constituiriam fundamento suficiente para que se considerasse ser esta uma situação susceptível de representar risco, ou de possível dano, para a independência nacional, ou à integridade do Estado e à sua segurança interna ou externa.



Da decisão:


            Pelo exposto se conclui que o procedimento pré-contratual que legalmente se impunha ter sido adoptado era o concurso público, nos termos do artigo 21º, número 1, alínea b), por exclusão da alínea a) e pela não verificação de qualquer das situações previstas no artigo 24º, todos do CCP.

            A não observância das normas legais relativas ao procedimento pré-contratual, resulta na anulabilidade do mesmo (artigo 135º, do CPA) e por conseguinte na anulabilidade do contrato que se lhe seguiu (artigo 283º, nº 2 CPP).


Condene-se os Réus nas custas, observando-se a regra do artigo 446º-A, do Código de Processo Civil.




Registe e Notifique.



***



Lisboa, 16 de Dezembro de 2010

Os Juízes

Ana Moura
Cláudia Pincho
Miguel Mano

Trabalho - Luis Epifanio

Introdução – Parte Teórica

Para iniciar um trabalho sobre Contencioso Administrativo, julgo que nada melhor que começar por apresentar uma breve definição da ciência que lhe está na base, ou seja, o Direito Administrativo. Podemos referir o Direito Administrativo, como o conjunto de princípios jurídicos que regem a organização e o exercício da actividade administrativa estatal, as suas entidades, órgãos e agentes públicos, com o objectivo de satisfazer as necessidades da colectividade, sob a observância dos interesses públicos e em direcção aos fins desejados pelo Estado. Ainda, segundo a opinião do Professor Freitas do Amaral, Direito Administrativo é “o ramo de direito público, constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidas com outros sujeitos de direito, no exercício da actividade administrativa de gestão pública”.

O Direito Administrativo é uma grande evolução, na medida em que existe porque o poder se aceitou submeter à lei em benefício dos cidadãos. O poder submete-se ao Direito, mas não a qualquer um, submete-se a um Direito que lhe deixa em todo o caso uma certa margem de manobra para que o interesse público possa ser prosseguido da melhor forma. O Direito Administrativo não representa apenas um instrumento de liberalismo frente ao poder, é o garante de uma acção administrativa eficaz. O Direito Administrativo, noutras palavras, é simultaneamente um meio de afirmação da vontade do poder, ou seja, é um meio de protecção do cidadão contra o Estado.

O ramo de Direito em estudo procura, genericamente, a permanente harmonização das exigências da acção administrativa, na prossecução dos interesses gerais, com as exigências da garantia dos particulares, na defesa dos seus direitos e interesses legítimos.

O Direito Administrativo é um ramo de direito bastante jovem. Nasceu, não da melhor forma, é verdade, mas ainda assim, foi a forma que permitiu uma evolução tal, para que chegássemos ao ponto actual. Ele nasce no seio da Revolução Francesa, sendo ainda o produto das reformas profundas que, a seguir à primeira fase revolucionária, foram introduzidas por Napoleão Bonaparte. Também os tribunais tiveram um papel importantíssimo, no desenvolvimento do Direito Administrativo, “como uma glândula segrega a sua hormona”, o Direito Administrativo foi criado na sequência do famigerado caso “Arrêt Blanco”. Com este caso, o Tribunal de Conflitos Francês achou que seria necessário criar um “direito especial” para a Administração, que tomasse em consideração o seu “estatuto de privilégio”.

Importado de França, o Direito Administrativo aparece em Portugal, a partir das reformas de Mousinho da Silveira de 1832.

Nos primórdios, os administrativistas limitavam-se a tecer comentários soltos às leis administrativas mais conhecidas através do chamado “método exegético”.

Somente no término do séc. XIX, se inicia a construção científica do Direito Administrativo, a qual se fica a dever, sensivelmente na mesma altura, a três nomes que podem ser considerados como verdadeiros pais fundadores da moderna ciência do Direito Administrativo Europeu: o francês Laferrière, o alemão Otto Mayer e o italiano Orlando.

O rigor científico passa a ser traço característico desta disciplina; a confusão metodológica dá lugar à construção dogmática apurada de uma teoria geral do Direito Administrativo, que não mais foi posta de parte e continua a ser aperfeiçoada e desenvolvida diariamente.

Como já foi referido, entre nós a doutrina administrativa começou por ser, nos seus primórdios, importada de França, através da tradução pura e simples de certas obras administrativas francesas. No entanto, a partir de meados do séc. XIX, o nosso Direito Administrativo entrou numa fase diferente, fase esta caracterizada pela estabilidade, racionalidade e carácter científico.

Relativamente às fases da evolução, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, podemos resumi-las, em três fases distintas.

A fase do “pecado original”, marcada pelo Estado Liberal e pelo administrador-juiz.

A fase do “baptismo”, em que passa a haver jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, com a chegada do Estado Social.

E, por fim, a fase da “confirmação”, em que passa a haver tutela jurisdicional plena e efectiva dos particulares, face à Administração.

Em Portugal ilustres nomes contribuíram para a evolução científica do Direito Administrativo, notabilizando-se, sobretudo, um mestre da Universidade de Coimbra, depois Professor em Lisboa: João de Magalhães Collaço. Cabendo, porém, ao Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Marcello Caetano, o mérito de, pela primeira vez em Portugal, ter publicado um estudo completo da parte geral do Direito Administrativo.

Feitas que estão estas considerações iniciais, julgo ser pertinente fazer uma análise, ainda que breve, daquilo que são os sistemas administrativos existentes. Partindo do princípio que sistema administrativo é um modo jurídico típico de organização, funcionamento e controlo da Administração Pública. Constatamos a existência de dois grandes tipos de sistemas administrativos, designadamente: o sistema de administração judiciária ou inglês e o sistema de administração executiva ou francês.

Posto isto, passamos a uma breve distinção/comparação.

O sistema inglês caracteriza-se pela separação de poderes, descentralização, lenta formação ao longo dos séculos, papel destacado do costume e ainda, pela vinculação à regra do precedente e a existência de uma grande independência dos juízes e forte prestígio do poder judicial.

O sistema francês é marcado pela separação de poderes, centralização, sujeição da Administração aos tribunais administrativos e ainda pelas garantias dos particulares.

Em termos de organização administrativa, podemos dizer que o sistema inglês é um sistema descentralizado, ao passo que o francês é centralizado.

O sistema de tipo Britânico entrega o controlo jurisdicional da administração aos Tribunais Comuns e regula a sua administração pelo Direito Comum, ou Direito Privado, sendo que o de tipo Francês o entrega aos Tribunais Administrativos e aplica à sua administração o Direito Administrativo que é Direito Público. Em Inglaterra há unidade de jurisdição e em França, dualidade de Jurisdições.

O sistema inglês faz depender a execução das decisões administrativas da sentença do Tribunal, ao passo que o sistema francês atribui autoridade própria a essas decisões e prescinde da intervenção prévia de qualquer Tribunal. Ainda relativamente às garantias jurídicas dos administrados, a Inglaterra atribui aos Tribunais Comuns amplos poderes de injunção face à Administração, que lhes fica subordinada como a generalidade dos cidadãos, enquanto a França só permite aos Tribunais Administrativos que anulem as decisões ilegais das autoridades ou as condenem ao pagamento de indemnizações, sendo a Administração independente do poder judicial.

Postas de parte, estas notas introdutórias sobre a matéria, pretendo agora passar à análise de casos concretos, pois julgo que, caso as pessoas conhecessem melhor os direitos que a lei lhes concede, poderiam viver uma vida mais segura, mais estável e mais interventiva na cena política do quotidiano.

Parte prática

Caso 1 (anónimo):

- O Estado expropriou uma propriedade de um particular, este sem qualquer conhecimento/contactos no mundo jurídico, pagando um preço irrisório, com perdas visíveis para a família. Ao contrário, num outro local, há mais de 20 anos que o Estado necessitava fazer uma estrada, somente há pouco o fez e, ainda assim, não, segundo o trajecto pretendido. Como é óbvio, este caso esteve bastantes anos em tribunal.

Ora, é claro que não pretendo questionar a segura pertinência que foi este segundo caso estar em tribunal todos estes anos. O que questiono é que não tenha ocorrido o mesmo, na primeira situação.

Pois bem, se eu fosse jurista…

Começaria por aconselhar a família a analisar o montante “oferecido” pela propriedade e o valor real da mesma. Depois, analisaria as razões que levaram o Estado a avançar para aquela expropriação.

Depois de o fazer e constatar, que, somente, devido a uma futura construção de uma superfície comercial, o Estado decidiu fazer a estrada na propriedade e referida e não, na outra, como anteriormente estava delineado, julgo que não teria dúvidas em avançar com o caso para tribunal, defendendo a família em causa.

A competência, julgo, é dos Tribunais Administrativos, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

Assim, primeiramente, avançaria, nos termos do art. 112.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com uma providência cautelar conservatória. A legitimidade para a mesma, julgo detê-la, o que passarei a demonstrar em seguida.

Nos termos do art. 9.º n.º 1 CPTA, (e falando em nome da família), considero-me, neste caso parte legítima, uma vez que faço parte da relação material controvertida, na medida em que sofro efeito danoso do acto ilícito. O acto ilícito aqui, será a expropriação, uma vez que a mesma, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP), só é possível, nos termos do art. 62.º n.º 2. Ora, neste caso, aparentemente, a propriedade em causa só vai ser expropriada, por causa da superfície comercial e não, porque, a priori, o Estado ali quisesse fazer passar a referida estrada.

Não questiono, de facto a utilidade da via de comunicação, questiono sim, o motivo que a levou a passar no local que foi.

Posto isto, nos termos do art. 112.º CPTA, uma vez que existe legitimidade para o processo comum, haverá legitimidade para propor a providência cautelar. Pediria ainda, como é óbvio, a impugnação do acto administrativo de expropriação, nos termos do art. 46.º n.º 2 a), bem como uma indemnização pelos transtornos causados, nos termos do art. 47.º n.º 1 CPTA.

Pretenderia pedir ainda, nos termos do art. 4.º, 7.º, 8.º 10.º e 9.º n.º 1, todos do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPA), solicitar informações mais concretas à Administração, sobre o caso.

Com tudo isto, somente esperaria que a Administração Pública me explicitasse melhor o porquê de necessitar de expropriar a propriedade em questão e, caso, por fim constatasse que a mesma era, realmente, pelas melhores razões, então aí sim, levantaria a providência cautelar, mas não, sem antes, deixar bem claro que a propriedade em causa contem um grande valor sentimental para toda a família, para além, é claro do valor de mercado que também é grande na freguesia.

Em suma, não pretendo ser um entrave ao desenvolvimento. Julgo sim que, com os conhecimentos certos, na hora certa, este é um caso que poderia ter sido mais bem analisado e as pessoas menos lesadas. Poderia ter havido um maior diálogo com os particulares, em vez da “cultura do medo” que muitas vezes é cultivada em relação a questões em que intervenha o Estado.

Caso 2 -

“Nós sabemos o que estamos a fazer”, é a afirmação dos promotores de vendas na praia d´el rey.

Segundo os mesmos, “O crescimento da Praia D'El Rey tem uma base sólida; ao longo dos últimos 10 anos construímos cerca de 1000 propriedades, um Hotel Marriott de 5 estrelas, um centro de ténis, e um campo de golfe junto da falésia e que foi recentemente votado como o melhor de Portugal.”

Pois bem, realmente pode até ser o melhor do país e com a melhor vista sobre o Oceano. Simplesmente não me parece que, qualquer cidadão a pudesse construir. E, não estou a falar em termos de possibilidades monetárias para adquirir material e mão-de-obra.

Desta forma, se eu fosse jurista…

Aquando do levantamento da possibilidade de construção do dito aldeamento, teria, avançado com uma providência cautelar, nos termos do art. 112.º n.º 2, alínea a), para suspender a eficácia do acto administrativo que autorizou a construção do complexo turístico.

Pediria ainda, como é óbvio, a impugnação do acto administrativo de autorização, nos termos do art. 46.º n.º 2 a), bem como uma indemnização pelos transtornos causados, nos termos do art. 47.º n.º 1 CPTA. A legitimidade para o fazer julgo, que existe, e advém, do art. 9.º n.º 2 CPTA, uma vez que cabe a todos velar pelo bom governo do nosso país.

Em suma, não pretendo uma vez mais colocar um entrave ao desenvolvimento económico, muito menos dizer que o que está feito é feio ou foi mal executado. O que pretendo denunciar é, sim, a desigualdade e ambiguidade de decisões. Pois, muitas vezes não é possível um particular construir em zonas aparentemente aptas para a construção e, somente por mera desactualização dos dados da administração, não é possível construir. E, neste caso concreto, parece-me escandaloso que se tenha autorizado a construção em zona protegida (ainda que tal possa não aparecer no papel). As construções foram feitas na falésia, em pleno cordão dunar, estradas abertas e zonas desmatadas. Por tudo isto, julgo que deveria ter havido uma análise mais profunda do caso.

Caso 3

Quercus apresenta queixa por abate ilegal de sobreiros em Almeirim

A associação ambientalista Quercus denunciou o “abate ilegal” de sobreiros na Herdade dos Gagos, no concelho de Almeirim, na zona de replantação compensatória para a construção do Estabelecimento Prisional do Vale do Tejo. Segundo plavras dos mesmos, “… já oficiámos tanto a Direcção-Geral de Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, em Santarém, e alertámos o IFADAP [Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e das Pescas], para saber o que se passa aqui, se têm conhecimento que o investimento está a ser destruído”, disse o Presidente da Direcção do Núcleo Regional do Ribatejo e Estremadura da Quercus.
Durante uma visita ao local, Domingos Patacho realçou que, além destas entidades, também foi alertado o Serviço Especial de Protecção da Natureza (SEPNA) da GNR, enquanto a associação ambientalista afirma, em comunicado, que “está a avaliar recorrer à via judicial”.

Segundo Domingos Patacho, em causa está o abate de “algumas dezenas de sobreiros já com alguma dimensão; mas, contando com os mais pequenos, da sementeira, [o abate] será na ordem das centenas”.

Se eu fosse jurista…

Nos termos da acção popular, 9.º n.º 2 CPTA, pretenderia colocar um ponto final nesta situação, anulando o acto de autorização. Recorreria ao art. 46.º n.º 2 a) CPTA. Julgo que a todos cabe cuidar do que é nosso e a todos é possível fazer uso dos méis legais ao seu dispor, para impedir que a lei seja incumprida.

Caso 4 -

Outro caso do meu conhecimento pessoal, prende-se também com o abate de sobreiros e, neste caso, com a necessidade de actuar, para evitar que tal continue.

Perto de três dezenas de sobreiros, ao que tudo indica saudáveis, foram abatidos ilegalmente na Mata do Duque, em Santo Estêvão, Benavente, numa zona onde está a ser construído um condomínio de luxo. A GNR já actuou, após uma queixa da Quercus.

Foi por causa de uma denúncia de pessoas que moram nas proximidades que a associação ambientalista se deslocou ao local, confirmando que tinham sido cortadas muitas dezenas de árvores aparentemente saudáveis, explicou Domingos Patacho, um dos responsáveis da Quercus.

De acordo com o ambientalista, a sociedade imobiliária que está a construir o empreendimento de luxo tinha autorização para abater árvores, mas apenas as que se encontravam secas e doentes. Contudo, a Quercus assegura que eram visíveis vestígios de ramos e folhagem verde na Mata do Duque, onde Cristiano Ronaldo vai construir uma mansão de 6,1 milhões de euros com a assinatura do arquitecto Souto Moura.

Além dos sobreiros saudáveis, a Quercus testemunhou a presença de um tractor com atrelado, carregado de troncos de árvores verdes não cintadas, em lotes do empreendimento imobiliário, uma situação que também denunciou na sua página de Internet.

O Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente da GNR levantou um auto de contra-ordenação pelo abate ilegal de 27 sobreiros em bom estado vegetativo, apesar da sociedade imobiliária apenas estar autorizada a cortar sobreiros secos.

A Quercus argumenta que “o Estado deve regular comércio de madeira e biomassa, uma vez que tem detectado outras situações idênticas, que decorrem de abates não autorizados de espécies protegidas, cuja madeira entra no circuito comercial de venda de lenha, sem qualquer controlo”.

Domingos Patacho defende que a Autoridade Florestal Nacional deveria também actuar neste caso, através da instrução de um processo de contra-ordenação para que o promotor imobiliário seja responsabilizado pelo abate de árvores saudáveis e também por uma questão de salvaguarda desta e de outras áreas de montado.

Se eu fosse jurista…

Ao tomar conhecimento de que este abate tinha tido início, teria tomado as devidas e legais providências. Relativamente ao Estado, em concreto, este somente autorizou o abate de árvores secas e doentes, não parecendo o caso das árvores abatidas neste empreendimento. Assim, não creio ser o Estado o culpado por esta situação, no entanto, julgo que ainda assim lhe cabe actuar. A minha afirmação justifica-se, recorrendo ao art. 109.º n.º 1 CPTA, uma vez que, imediatamente após tomar conhecimento de que os sobreiros saudáveis estavam a ser abatidos, pretendia que o Estado actuasse, por forma não só a punir o seu infractor, como também a impedir o prosseguimento imediato da acção ilegal, defendendo assim um património que é de todos os lusitanos.

Luís Carlos Epifânio
Aluno n.º 17402
Turma Noite - 3