quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

As Providências Cautelares Esvaziadas pelo “Interesse Público” ou o “Interesse Público” como salvaguarda do Poder Executivo e do Principio da Separação de Poderes?


Como sabemos, no actual CPTA o particular e a administração são partes que no tribunal defendem os seus interesses: do lado do particular, a lesão de um direito; do lado da administração, a defesa da legalidade e do interesse público.

Assim sendo, decorrente do Princípio da Tutela Jurisdicional efectiva em matéria administrativa art.º 268.º/4 ss. CRP e Art.º  2º n.º 2 CPTA; a tutela concretiza-se pela disponibilidade de acções ou meios principais adequados e também no plano cautelar e executivo.

Objectivo
O tema apresentado tem duas finalidades: comentar muito brevemente o regime das providências, já convenientemente aprofundado pelos doutos colegas noutras prelecções e realizar comentário sobre a questão do “Interesse Público”.

Regime das Providências Cautelares

De acordo com os arts.º  112º e ss.  as Providências Cautelares são decisões jurisdicionais de carácter provisório e instrumental, já que estão destinadas a assegurar a utilidade da sentença sobre a acção principal.

Com carácter provisório devido ao próprio instituto, o TR ainda com base nos critérios do art.º 120 pode revogar, alterar ou substituir a providência anterior, caso se verifique uma alteração relevante de circunstâncias inicialmente existentes. 
Em termos de legitimidade/instrumentalidade o processo cautelar é aceite caso seja preliminar em relação ao processo principal ou seja apresentado como incidente do mesmo; no primeiro caso se não se demonstre posteriormente a colocação da acção principal da qual depende a providência perde validade.

Segundo o art.112º nº2 podem consistir na suspensão da eficácia de actos administrativos ou de normas regulamentares, na admissão provisória em concursos ou exames, na atribuição provisória da disponibilidade de um bem, ou da autorização para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta, na regulamentação provisória de uma situação jurídica e ainda na intimação da Administração ou de particulares, à adopção ou abstenção de condutas. Este elenco é exemplificativo, como é indicado na abertura do nº2; temos ainda as do CPC embora seja remissão algo vazia, salvo eventual previsão de providências cautelares especificas em legislação especial.

Temos então os seguintes tipos de providências cautelares:

Antecipatórias: o interessado procura a adopção de medidas por parte da Administração que podem ou não envolver actos jurídicos.
Conservatórias, o interessado pretende defender um direito em perigo, procurando vir a ser prejudicado por decisões que a Administração venha a adoptar;

Pressupostos Concessão

Art.120º, os critérios do periculum in mora e do fumus bonis iuris. O primeiro é óbvio em qualquer providência cautelar, pois a mesma só é necessária se houver o risco da inutilidade da sentença se a providência não for aceite. O periculum in mora, revela-se no risco da infrutuosidade ou do retardamento da tutela que poderá resultar da mora na sentença. No  fumus bonis iuris, consiste na possibilidade de o requerente vir a ter êxito na causa principal. O Juiz verifica neste caso a probabilidade de procedência da acção principal sendo este factor relevante para a decisão de adopção da providência.

A atribuição de uma providência cautelar depende assim da avaliação pelo juiz acerca da existência do risco de uma situação de facto irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente e, ainda, do grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal, tal como ele resulta de uma operação de prognose ao mérito.


Importa também referir que o peso deste “pré-julgar” varia necessariamente consoante estejamos perante situações de aparência do direito, manifesta falta de fundamento e situações intermédias vs. tipo de providência (antecipatória ou conservatória).

Para além destes dois pressupostos o tribunal tem de atender ao Princípio da Proporcionalidade, procedendo à ponderação em conjunto dos vários interesse, públicos e privados, em presença para avaliar se os danos que resultariam da concessão da providência não seriam superiores dos que resultariam da recusa(120º nº2), com a importante especialidade de a lei dispensar este requisito nos casos do art.º 120 nº1 a), o que se compreende pois apenas se aplica a casos manifestos.

As providências cautelares são recusadas quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

Segundo Vieira de Andrade, mesmo nos casos em que estejam verificados os requisitos do “periculum in mora” e do “fumus boni juris” deverá ser recusada a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo para a entidade requerida (e logo para o interesse público) se perfile superior ao prejuízo que se visa evitar com a providência requerida.
No entanto o CPTA veio introduzir Princípio da Proporcionalidade não sendo assim viável, interpretar a lei no sentido de um reconhecimento implícito ou uma prevalência sistemática do interesse público sobre o particular. Para além disso Vieira de Andrade entende que “o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos…”.

O  art.º 120 nº1 a) e art 120.º nº5 não são mais que duas faces iguais, com dois destinatários antagónicos; sendo todavia, na minha modesta opinião o art.º 120º nº5 uma disposição legal limitadora da arguição de “Interesse Público” apenas a casos manifestos ou ostensivos.

A questão do Interesse Público

O interesse público deve ser entendido como o conjunto de princípios basilares de uma dada ordem jurídica, fundados em valores de moralidade, de justiça ou de segurança social, que regulam interesses gerais considerados fundamentais da colectividade e que informam um conjunto de disposições legais.

No meu modesto entendimento, este conceito apenas pode ser arguido pelo Governo conduzindo-se ao art.º 199 CRP (que já tem uma cláusula aberta na sua alínea g).

O cerne da questão aqui será, primeiro que tudo, referir que a Administração tem usado a arguição de “Interesse Público” diversas vezes; sendo que os Tribunais Administrativos têm adoptado uma prática de não sindicância ao preenchimento deste conceito por parte do requerido Estado, contrariando a letra do art.º 120 nº5 .


Conclusão

«A Administração Pública, na prestação de serviços sociais e culturais, na satisfação de necessidades colectivas, tem necessidade de agredir a esfera jurídica dos particulares, ofendendo ou sacrificando os seus direitos e interesses, mas, no desenvolvimento dessas actividades, tem de agir com sujeição à Constituição e à lei, respeitando os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares.
Os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, absorver ou suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum ou da sociedade, cabendo a esta, nos casos em que aqueles sacrifícios possam ser e tenham de ser impostos, compensá-los dos prejuízos causados [...]»
Acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2010.

Sendo portanto da minha modesta opinião que a arguição do interesse publico como forma de protestar uma providência cautelar, retirando essa averiguação da esfera do tribunal, gera no mínimo na esfera do particular um direito a ser indemnizado por esse facto per si, caso prove dano.

O Douto Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra referiu já em 2007 que “a jurisdição administrativa está todavia inundada com pedidos cautelares, estimando-se que, em muitos tribunais de círculo, 30% das acções administrativas especiais sejam hoje antecedidas de um processo cautelar.”

Temos vindo a assistir a bastantes casos altamente mediáticos: scuts, hospitais, escolas, ferrovias, etar’s, cortes salariais na função pública; com deputados da AR, sindicalistas e lesados a usar as providências cautelares para combater decisões políticas fundamentais tomadas pelo poder executivo.

O problema para o Contencioso Administrativo neste momento, não é decerto a falta de poder que antes não tinha, nem para já o excesso de poder que alguns vêm; antes a necessidade de maturidade no uso do sistema por parte de todos os seus intervenientes.

Por parte do Governo ao evocar “Interesse Público” a toda e qualquer providência cautelar em temas “quentes”; de alguns requerentes por usarem o Contencioso Administrativo para travarem as suas batalhas políticas, após as terem perdido na devida sede; dos Juízes por não realizarem em maior número um controlo sobre o que é “Interesse Publico”, dos Advogados devido a uma exagerada litigância.   

Donde por tudo o explanado, se conclui que a arguição da figura do interesse público,  tem que necessariamente ter por limitação um interesse público maior – o da Justica Administrativa per si.

Caso se mantenha este status quo é o Contencioso Administrativo que perde.


Bibliografia
- Intervenção do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra na sessão de Abertura do Colóquio “Medidas Cautelares no Novo Contencioso Administrativo” UCP Março de 2007
- Vieira de Andrade, Lições p. 343 a 379 Almedina
- Ac. STA 0269/02 de 06/04/2006
- Ac. TCA Sul 4863/00 de 28/09/2000
- Ac. STA 06573/10 de 21/07/2010
- O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, Almedina

Artigo realizado por António Sérgio Rocha Ferreira Nº9703 Subturma 3 Faculdade Direito Universidade de Lisboa. Veja o meu perfil Linkedin em http://pt.linkedin.com/in/antoniorochaferreira