quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A classificação das posições jurídicas subjectivas dos particulares em face da Administração


A ordem jurídica constitui uma parte integrante da ordem social[1]. Como ensinam Wolff/Bachof/Stober[2]: “o Direito regula as relações sociais, exigindo dos sujeitos jurídicos a limitação dos seus livres arbítrios na prossecução dos seus interesses objectivos de valor significativo”.

Naturalmente, a ordenação jurídica das relações sociais tem lugar através de normas jurídicas[3]. Estas, atentas as características de generalidade e abstracção, referem-se a “situações materiais típicas”[4]. Porém, “enquanto o direito objectivo funda em primeira linha deveres e limita a prossecução dos interesses das pessoas, a possibilidade de acção livre de obrigação assenta no princípio da liberdade”[5]. Então, “dada a interpenetração dos direitos com os deveres é adequado, em geral, fazer convergir a capacidade jurídico-positiva de assumir deveres com a capacidade jurídico-positiva de ser titular de direitos”[6]. Em face das prerrogativas da Administração, que fundam a emergência do Direito Administrativo[7], os particulares podem ver comprimido esse espaço de liberdade. Então, os seus direitos materiais são acompanhados por direitos de procedimento, que “visam garantir a imposição da liberdade face à Administração e face aos tribunais”[8]. Serão, na terminologia de Wolff/Bachof/Stober, legitimações de exercício, que se opõem às obrigações[9].

Existe, portanto, uma subjectividade de direitos, em que uma pessoa (ou outro substrato social) pode ser sujeito de imputação de pelo menos uma norma jurídica[10]. Então, “os sujeitos jurídicos dotados de capacidade jurídica têm, por direito próprio e por força da lei, deveres e direitos actuais, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos”[11]. Caberá, por tal, a cada pessoa no ordenamento jurídico uma qualificação essencial que corresponde à sua situação jurídica, que emana do Direito objectivo, projectando-se nos sujeitos e que surge como fundamento da actualização dos deveres e dos direitos nas relações jurídicas[12]. Por outras palavras, a posição jurídica dos sujeitos é a qualificação essencial de cada sujeito nas suas relações jurídicas, em particular nas suas relações com o Estado e outros entes públicos[13].

A posição jurídica dos particulares em face da Administração, em particular o recurso à via contenciosa, nem sempre foi idêntica à da actualidade. Com efeito, na concepção clássica do contencioso administrativo, o particular não tutelava qualquer direito em face da Administração, uma vez que, nas palavras de Laferrière[14], se tratava de “um processo feito a um acto”. “A finalidade do recurso de anulação não era a protecção dos indivíduos face à Adminstração, mas apenas o modo de esta controlar a legalidade dos seus actos, servindo-se da ajuda do particular. É o particular que está ao serviço do processo administrativo a fim de se obter uma actuação administrativa mais consentânea com a lei e não o processo que está ao serviço do particular para a defesa dos seus direitos”[15]. Na esteira de Maurice Hauriou, a posição subjectiva do particular é a de “um ministério público, efectuando a repressão de uma infracção”[16].

Para Vasco Pereira da Silva, “o actual entendimento das relações indivíduo/Estado não permite a mera consideração do indivíduo como servo de uma Administração toda-poderosa que, através do recurso directo de anulação, se auto-controlava”[17]. O particular dispõe, então, de posições jurídicas subjectivas relativamente à Adminsitração, que resultam de “uma exigência da opção constitucional por uma ordem jurídica assente na dignidade da pessoa humana, cujos direitos fundamentais vinculam directamente os poderes públicos”[18].

A Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 266.º, número 1, erige a princípio fundamental da actividade administrativa o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, isto é, pelas suas posições jurídicas subjectivas[19]. Bem assim, garante aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. artigo 268.º, n.º 4, primeira parte, CRP).

Tudo visto, o novo entendimento da posição jurídica do particular em face da Administração importou, ainda, a concepção de uma nova posição do particular no contencioso administrativo[20]. “Como qualquer outro meio jurisdicional, o processo contencioso administrativo tem como função a defesa das posições substantivas dos particulares”[21].

Nota-se, contudo, que a Constituição distingue entre direitos e interesses legalmente protegidos.

Qual, então, o alcance desta distinção?

Ainda que não ofereçam uma delimitação do conceito, Wolff/Bachof/Studer consideram que “a mais forte legitimação de exercício é constituída pelo direito público subjectivo pleno”[22]. No âmbito do Direito Civil, o conceito de direito subjectivo encontrou maior grau de elaboração pela doutrina[23], chegando Menezes Cordeiro a sugerir que este é uma “permissão normativa específica de aproveitamento de um bem”[24], para cujo conceito remetem também autores jusadministrativistas[25]. Para Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, trata-se “de um interesse directa e imediatamente protegido (objecto do direito) mediante a concessão de um feixe de poderes ou faculdades, que incluem a possibilidade de obter a tutela jurisdicional plena (conteúdo do direito)[26]. Vasco Pereira da Silva sugere o aproveitamento dos elementos oferecidos pelas diferentes concepções que têm sido defendidas relativamente a esta matéria[27], o que permite, dando “uma noção complexiva de direitos subjectivos, apresentá-los como condições de existência de um direito”[28]. Para o Autor, “poder-se-ia dizer que são condições da existência de um direito subjectivo: uma norma de permissão, um poder de exigir de outrém um determinado comportamento, um interesse individual que se realiza através dessa conduta alheia e a existência da possibilidade de reacção jurisdicional para a tutela desse poder”[29], aderindo à noção proposta por Maurer, que cita: “o direito subjectivo público é, assim, do ponto de vista do cidadão – um poder jurídico conferido pelo direito público aos indivíduos, para a satisfação dos seus interesses, mediante a exigência de um determinado comportamento por parte do Estado”[30].

Freitas do Amaral sustenta que, tanto no caso dos direitos subjectivos, como no dos interesses protegidos, está-se em face de um “interesse privado reconhecido e protegido por lei”[31]. No primeiro caso, a protecção é directa e imediata (o que corresponde ao objecto do direito na concepção de Rebelo de Sousa/Salgado de Matos), facultando-se ao particular a exigência à Administração da adopção das condutas que satisfaçam plenamente o seu direito, incluindo judicialmente. No segundo caso, a protecção é imediata, porém indirecta, pois o interesse protegido será público, podendo apenas o particular exigir à Administração que não prejudique ilegalmente o seu interesse[32].

Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos distinguem ainda, na esteira de Manuel Gomes da Silva, de entre os interesses legalmente protegidos, os interesses indirectamente protegidos e os interesses reflexamente protegidos[33]. Enquanto que os primeiros seriam equivalentes aos interesses legalmente protegidos na concepção de Freitas do Amaral, os segundos não seriam objecto de protecção imediata, mesmo indirecta, pela lei, sendo reflexamente protegidos em consequência da tutela de outro interesse[34]. Aponta o exemplo “dos fabricantes de certo produto, que podem ser beneficiados com a proibição legal da importação de produtos concorrentes por motivos de saúde pública. Se o fim da lei fosse o de garantir a concorrência, estaria a proteger-se em primeira linha um interesse geral no funcionamento do mercado e, indirectamente, mas ainda de forma imediata, interesses privados dos concorrentes; mas se o principal interesse protegido é o da saúde pública, o interesse dos fabricantes concorrentes não é protegido por lei em termos imediatos”[35]. Estes gozam apenas do direito a “impugnar o comportamento alheio, com fundamento em ilegalidade”[36], caso esta exista.

Para Freitas do Amaral, os interesses reflexamente protegidos não se reconduziriam à noção de interesses legalmente protegidos, constituindo uma espécie distinta de situações jurídico-públicas de vantagem[37]. Para este Autor, ainda haveria que distinguir de entre as situações jurídico-públicas de vantagem dos particulares em face de Administração, os interesses semi-diferenciados[38] e os interesses difusos. Os primeiros compreenderiam os interesses colectivos, enquanto interesses de associações de defesa dos interesses gerais dos associados, e os interesses locais gerais, enquanto interesses dos residentes em certa área, relativamente a bens do domínio público[39]. Os segundos – os interesses difusos – são aqueles “que cabem a um grupo muito vasto de pessoas, não sendo desse modo divisíveis por sujeitos determinados”[40].

Tanto Rebelo de Sousa/Salgado de Matos como Freitas do Amaral apontam a Itália como o país onde tradicionalmente tem maior interesse prático a distinção, pois nesse país a distinção releva para efeitos de competência contenciosa, pois os direitos subjectivos dos particulares, quando violados, carecem de recurso para os tribunais judiciais, mas em face da violação de um interesse legalmente protegido, terão competência os tribunais administrativos[41].

Para Freitas do Amaral, “não há, hoje em dia, diferenças muito siginificativas do regime jurídico entre as figuras do direito subjectivo e do interesse legítimo”[42]. Restringe esta asserção a “que não existem (suficientes) traços de regime jurídico específicos de todos os direitos subjectivos ou de todos os interesses legítimos que tornem a distinção entre ambos cientificamente absoluta”[43], pois reconhece que não existe uma equiparação absoluta entre as duas figuras, nomeadamente no que concerne à proibição de retroactividade das leis restritivas, ou certas limitações à actividade policial que valem apenas para direitos, liberdades e garantias e direitos análogos, conforme dispõe os artigos 17.º, 18.º e 272.º da CRP, bem como considera evidente que a plena tutela em face da administração só existe nos direitos subjectivos e já não nos interesses legítimos, onde os particulares apenas podem aspirar o prejuízo ilegal do seu interesse[44]. Porém, a convergência entre os direitos e os interesses encontra-se expressamente no regime revogatório dos actos constitutivos de uns e de outros (cfr. art 140.º, n.º 1, al. b) do Código do Procedimento Administrativo [CPA]), bem como a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas se funda na ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, de igual forma (cfr. art 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).

Também Rebelo de Sousa/Salgado de Matos reconhecem que, para além do campo conceptual, a utilidade da distinção não é muita, pois os textos legais quase sempre refere ambas as expressões, o que denota que partilhariam quase sempre de idêntico regime. Exemplifica como comuns aos direitos e aos interesses: “a legitimidade para a invocação dos direitos de informação e de participação, a legitimidade de queixa ao Provedor de Justiça, o acesso à generalidade dos meios processuais do contencioso administrativo, designadamente às acções para impugnação de actos administrativos e as providências cautelares; (...) o dever de fundamentação dos actos administratvos desfavoráveis, o regime de revogação de actos administrativos favoráveis válidos e o regime substantivo e contencioso da responsabilidade civil da administração”[45]. Conclui o Autor que “direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos são apenas diferentes graus de tutela conferida pela ordem jurídica a posições jurídicas subjectivas e as diferenças entre ambos têm, portanto, índole essencialmente quantitativa e não qualitativa”[46].

Em face das dificuldades da distinção já Vieira de Andrade viria propor a contraposição entre posições jurídicas substantivas (que incluiria os direitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos) e interesses simples ou de facto (que incluiria as “vantagens ocasionais ou puramente reflexas em relação ao interesse público – mesmo que gozem, face à lei processual de legitimidade impugnatória, por se encontrarem numa situação que lhes confira interesse directo e pessoal na anulação de um acto administrativo”[47]. Quanto à relevância desta distinção, Freitas do Amaral aponta que ela incide, por exemplo, a propósito: “1) Da determinação da obrigatoriedade de fundamentação de actos administrativos (CPA, artigo 124.º, 1, alínea a)), a qual existe apenas para actos que neguem, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos; 2) Da determinação da legitimidade de revogação de actos administrativos, a qual não é livre, mas condicionada, para actos constitutivos de direitos subjectivos ou de interesses legalmente protegidos (CPA, artigos 140.º e 141.º); 3) Da legitimidade para a propositura da acção de reconhecimento legalmente prevista e regulada nos artigos 69.º e 70.º da LPTA, circunscrita aos titulares de direitos subjectivos ou de interesses legalmente protegidos[48]; 4) Da legitimidade para a propositura da acção de indemnização para efeitos de responsabilidade civil, quer por acto de gestão pública, quer por acto de gestão privada da Administração Pública, também restrita aos titulares de direitos subjectivos ou de interesses legalmente protegidos”[49].

Vasco Pereira da Silva, enuncia seis concepções, embora historicamente dispostas, a propósito da distinção entre as posições jurídicas subjectivas dos particulares, em face da Administração[50], posicionando-se em favor de uma categoria unitária de direito subjectivo[51].

No que diz respeito às chamadas legitimações de exercício de carácter procedimental e processual, Wolff/Bachof/Stober consideram que “é suficiente a existência de um interesse legítimo”[52] ou de um “interesse juridicamente protegido”[53]. Por outras palavras, para os Autores, em termos de legitimidade processual na jurisdição administrativa, são equivalentes os direitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares. Com razão afirma, porém, Vasco Pereira da Silva que “o direito subjectivo não é um conceito de direito processual, mas de direito substantivo, embora se trate de uma figura com consequências processuais”.[54]

Em concreto no que concerne à posição jurídica subjectiva dos particulares em face da Administração, de âmbito contencioso, a evolução das concepções nos ordenamentos jurídicos alemão, italiano, francês, espanhol e português, encontra-se explanada por Vasco Pereira da Silva[55].

A evolução da questão em Portugal, protagonizada no início por Marcello Caetano[56], que aderia às concepções da “escola subectivista” francesa de Bonnard e Barthélèmy, que consideravam que o particular, ao ser titular de um direito à legalidade, reconheciam-lhe a posição de parte no processo[57], mas já não a Administração[58]. A legitimidade do particular no contencioso administrativo decorria aliás, do “carácter principalmente subjectivo do recurso [que] faz com que a legitimidade seja, em primeiro lugar, reconhecida ao titular de interesse, directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso”[59], que era “meio de garantia dos administrados nas relações jurídico-administrativas”[60]. Porém, logo em 1976, a Constituição “vem impôr o tratamento do indivíduo como sujeito nas suas relações com a Administração e a sua consideração como parte no recurso directo de anulação”[61].

Actualmente, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, reconhece legitimidade activa a quem alegue ser parte na relação material controvertida (art. 9.º, n.º 1, CPTA), bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa, às autarquias locais e ao Ministério Público (MP), quando estejam em causa valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais – os interesses difusos (art. 9.º, n.º 2, CPTA).

Em matérias relativas a contratos, o CPTA (art. 40.º) reconhece legitimidade activa às partes na relação ao contratual; ao MP e demais entidades referidas no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA; a quem tenha sido prejudicado pelo facto de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual legalmente exigido; a quem tenha participado no procedimento que precedeu a celebração do contrato e alegue que o clausulado não corresponde aos termos da adjudicação; a quem alegue que o clausulado do contrato não corresponde aos termos inicialmente estabelecidos e que justificadamente o tinham levado a não participar no procedimento pré-contratual, embora preenchesse os requisitos necessários para o efeito; pelas pessoas singulares ou colectivas titulares ou defensoras de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos aos quais a execução do contrato cause ou possa presumivelmente causar prejuízos; pelas pessoas singulares ou colectivas portadoras ou defensoras de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos em função dos quais as cláusulas contratuais tenham sido estabelecidas; e por quem tenha sido preterido no concurso que precedeu a celebração do contrato.

Em matérias relativas à impugnação de actos administrativos, têm legitimidade (art. 55.º, CPTA) quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus interesses legalmente protegidos; o MP; pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva; presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei; pessoas e entidades mencionadas no artigo 9.º, n.º 2, do CPTA.

Para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, tem legitimidade (art. 68.º, CPTA), quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto; pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; o MP, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no artigo 9.º, n.º 2, do CPTA, bem como às demais entidades aí referidas.

Desta plétora de normas de atribuição de legitimidade activa para intervir em contencioso administrativo só pode resultar uma conclusão: só vence utilidade prática a posição que acolhe uma noção ampla de direito subjectivo. Como aponta Vasco Pereira da Silva, “nos termos da teoria da norma de protecção e aceitando o seu alargamento no domínio dos direitos fundamentais (tal como propõem Tschira/Gläeser e Krebbs), o indivíduo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração, sempre que, de uma norma jurídica que não vise, apenas, a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional ou, ainda, quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto, decorrente de um direito fundamental”[62]. Se quando o contencioso administrativo se resumia quase só ao recurso de anulação já havia quem propusesse essa posição, hoje, por maioria de razão, só ela pode ter acolhimento, pois dada a diversidade de acções administrativas, que visam proteger tantos diferentes aspectos da relação dos particulares com a Administração, não poderia ser de outro modo.

Não importa já distinguir, para efeitos de legitimidade processual, a que categoria se reconduzem as diferentes manifestações de posições jurídicas subjectivas dos particulares em face da Administração. Outrossim, importa averiguar se essas manifestações se subsumem à previsão de uma norma de habilitação de legitimidade activa (de legitimação, na terminologia de Wolff/Bachof/Stober), por forma a reconhecer a tutela jurisdicional efectiva do particular.

Contudo, a questão não é meramente processual, pois “tanto os direitos subjectivos, como os denominados interesses legítimos, são posições substantivas e não meramente processuais dos particulares em relação à Administração, concedidas objectiva e intencionalmente por uma norma jurídica que visa a satisfação, não apenas do interesse público, mas também dos interesses particulares. Num caso ou no noutro, o que pode variar é o conteúdo do direito, directamente atribuído pela lei ou resultante da maior ou menor amplitude do dever a que a Administração está obrigada relativamente ao particular. A diferença entre o direito subjectivo e o denominado interesse legítimo não respeita, portanto, à existência do próprio direito, mas a uma, eventual, maior ou menor amplitude do seu conteúdo”[63].

Do ponto de vista dogmático, só servirá neste quadro, à Ciência do Direito, uma categoria tão ampla quanto possível de direito subjectivo, de modo a abarcar todas as realidades jurídico-substantivas dos particulares, em termos de poderem ser exercidas em contencioso.


André Moz Caldas, n.º 17611
Notas:

[1] João Baptista Machado, «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 1.ª ed., 16.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2007, página 12.
[2] Hans J. Wolff/Otto Bachof/Rolf Stober, «Direito Administrativo – vol. I», 11.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2006, página 482.
[3] João Baptista Machado, «Introdução ao Direito...», cit., p. 24.
[4] Hans J. Wolff/Otto Bachof/Rolf Stober, «Direito Administrativo...», cit., p. 482.
[5] Ibidem, p. 655.
[6] Ibidem, p. 482.
[7] Vasco Pereira da Silva, «O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo», 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, página 10; Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. I», 3.ª ed., 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2008, página 110.
[8] Hans J. Wolff/Otto Bachof/Rolf Stober, «Direito Administrativo...», cit., p. 654.
[9] Ibidem, pp. 609 e seguintes.
[10] Ibidem, p. 483.
[11] Ibidem, p. 486.
[12] Ibidem, p. 487.
[13] Sobre a posição jurídica geral ou status, vd. Ibidem, p. 487.
[14] Citado por Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares (Esboço de uma teoria subjectivista do recurso directo de anulação», 1.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, página. 68.
[15] Ibidem, p. 69.
[16] Citado por Ibidem, p. 69.
[17] Ibidem, p. 70
[18] Ibidem, p. 70
[19] No mesmo sentido, Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral – Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais», 3.ª ed., Publicações D. Quixote, Lisboa, 2008, página. 210.
[20] Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., p. 71.
[21] Ibidem, p. 71.
[22] Hans J. Wolff/Otto Bachof/Rolf Stober, «Direito Administrativo...», cit., p. 686.
[23] A este propósito, vd. por todos António de Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português – I Parte Geral – Tomo I», 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 311 e seguintes; Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., pp. 80 e seguintes.
[24] António de Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português...», cit., p. 332.
[25] Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. II», 1.ª ed., 8.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2008, página 65.
[26] Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral...», cit., p. 212.
[27] Que enuncia sumariamente em Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., pp. 81 e seguintes.
[28] Ibidem, p. 82.
[29] Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., p. 83.
[30] Ibidem, p. 83.
[31] Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. II», cit., p. 65.
[32] No mesmo sentido, José Carlos Vieira de Andrade, «A Justiça Administrativa (Lições)», 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, página. 69.
[33] Para José Carlos Vieira de Andrade, «A Justiça Administrativa...», cit. p. 70, estes serão “interesses diferenciados ocasionais”.
[34] Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral...», cit., p. 213.
[35] Ibidem, p. 213.
[36] Ibidem, p. 213.
[37] Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. II», cit., p. 68.
[38] A expressão é de José Carlos Vieira de Andrade, «A Justiça Administrativa...», cit. p. 73.
[39] Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. II», cit., p. 69.
[40] Ibidem, p. 70.
[41] Ibidem, pp. 72 e seguintes; Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral...», cit., p. 211.
[42] Ibidem, p. 70.
[43] Ibidem, p. 71, (itálicos no original).
[44] Ibidem, pp. 70 e seguintes.
[45] Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral...», cit., p. 212.
[46] Ibidem, p. 213.
[47] José Carlos Vieira de Andrade, «A Justiça Administrativa...», cit. p. 75, (itálicos no original).
[48] Este particular aspecto não sobreviveu à entrada em vigor do CPTA, pois a antiga acção de reconhecimento de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos foi substituída pela acção de reconhecimento de situações jurídicas subjectivas (art. 37.º, 2, a)), para cuja legitimidade activa valem as regras gerais do artigo 9.º, admitindo até a tutela de interesses difusos.
[49] Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo – Vol. II», cit., pp. 71 e seguintes.
[50] Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares...», cit., p. 84 ss. São essas concepções: “1 – Uma mera situação de interesse de facto que confere aos indivíduos legitimidade processual, uma vez que possuem um interesse próximo do da Administração. Esta concepção parte do princípio de que os particulares não defendem, através do recurso, nenhuma posição jurídica subjectiva face à Administração (Laferrière, Hauriou, Guicciardi, Machete). 2 – Um “direito à legalidade” ou um “direito reflexo” que os indivíduos fazem valer no processo (Bonnard, Barthélèmy, Marcello Caetano, Walter Jellinek). 3 – Duas modalidades de posições jurídicas distintas: os direitos subjectivos e os interesses legítimos, consoante o poder de vantagem do indivíduo resulte imediata e intencionalmente das normas jurídicas ou seja atribuído, apenas, de forma mediata e reflexa (Zanobini, Sandulli, Freitas do Amaral). 4 – Igualmente as duas modalidades de direitos subjectivos e interesses legítimos, mas que se distinguem, já não com base no carácter mediato ou imediato do modo de protecção pela norma, mas antes consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do poder administrativo (Nigro, Rui Machete). 5 – Duas situações diferentes: os direitos subjectivos clássicos ou activos e os direitos subjectivos novos ou reactivos; ou que denomina estes últimos de direitos eventuais ou futuros (Kornprobst, Laligant, Roubier, Enterría). 6 – Uma única categoria de situações jurídicas dos particulares, a dos direitos subjectivos (Bachof, Maurier, Krebbs, Tschira/Gläese, Badura)”.
[51] Ibidem, p. 100.
[52] Hans J. Wolff/Otto Bachof/Rolf Stober, «Direito Administrativo...», cit., p. 686.
[53] Ibidem, p. 687.
[54] Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., p. 80.
[55] Ibidem, pp. 71 e seguintes.
[56] Ibidem, p. 76 e seguintes.
[57] Ibidem, p. 73.
[58] Ibidem, p. 77.
[59] Marcello Caetano, citado por Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., p. 78.
[60] Marcello Caetano citado por Ibidem, p. 78.
[61] Vasco Pereira da Silva, «Para um Contencioso Administrativo dos Particulares... », cit., pp. 78 e seguintes.
[62] Ibidem, p. 112.
[63] Ibidem, p. 116

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